Imunoterapia para tumores do aparelho digestivo - Oncologia Brasil

Imunoterapia para tumores do aparelho digestivo

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Neste primeiro artigo, o especialista faz uma análise sobre o cenário da imunoterapia no Brasil, com os avanços conquistados nos últimos anos por meio de importantes estudos, como “PD-1 Blockade in Tumors with Mismatch-Repair Deficiency”, publicado em 2015 no The New England Journal of Medicine (NEJM) e o KEYNOTE 177, além dos desafios que o País ainda precisa enfrentar devido ao alto custo desses tratamentos. Confira!

 

Desde a aprovação do ipilimumabe pelo FDA em 2011 e pela ANVISA em 2012, vemos um crescente número de novas indicações para uso de imunoterapia em tumores sólidos sendo aprovadas, recebendo, recentemente, diversas aprovações para uso em tumores do aparelho digestivo. 

 Em razão do seu alto custo, tal modalidade de tratamento vem aumentando o gap existente no Brasil entre o sistema público e privado de saúde, e ainda trazendo preocupação à operação de diversos planos de saúde suplementar no país. Sendo assim, a incorporação de biomarcadores preditores de resposta são essenciais para a identificação daqueles pacientes que se beneficiaram dessa intervenção.  

Os checkpoints imunes mais explorados nesse contexto são PD-1/PD-L1 e CTLA4, sendo que essas drogas podem ser utilizadas de forma isolada, combinada à quimioterapia ou combinada entre elas (anti-PD-1 com anti-CTLA4). Quando utilizados de forma isolada em tumores do aparelho digestivo, comumente vemos curvas de Kaplan-Meier se cruzando, com o braço imunoterapia performando pior no início do seguimento, atingindo, em um segundo momento, uma cauda da curva em patamares superiores ao braço controle (quimioterapia). 

A publicação de Le et al no NEJM, em 2015, foi um dos grandes divisores de água na história da oncologia recente. Nele se confirmou a hipótese de que a instabilidade de microssatélites (IMS), com consequente aumento de neo-antígenos a serem reconhecidos pela célula T, seria um importante preditor de resposta à imunoterapia (pembrolizumabe nesse estudo). Esse foi um grande estudo de fase II, não comparativo, com doença metastática refratária ao regime padrão, com três braços:  paciente com câncer colorretal (CCR) metastático e IMS (A), pacientes com câncer de cólon e estabilidade de microssatélites (braço B) e pacientes com diversos tumores com instabilidade de microssatélites (braço C). As taxas de resposta foram 40%, 0% e 71% e as taxas de sobrevida livre de progressão de 78%, 11% e 67%, respectivamente nos braços A, B e C1. 

O estudo de fase III KEYNOTE 177 avaliou o uso de pembrolizumabe na primeira linha para pacientes com CCR e IMS, comparando com quimioterapia padrão. A despeito da ausência de dados de sobrevida global (SG), pembrolizumabe foi superior em taxa de resposta (43% vs 33%) e sobrevida livre de progressão (SLP) (16,5 vs 8,2 meses), além de um perfil de toxicidade mais favorável 

Outro dado que corrobora a eficácia de imunoterapia em tumores com IMS é a análise de subgrupo do estudo KEYNOTE 062, que avaliou seu uso na primeira linha de câncer gástrico. Dentre aqueles casos com IMS, a superioridade de pembrolizumabe foi inquestionável: taxa de resposta 57% vs 37% e SLP 11,2 vs 6,6 meses. No entanto, no cenário metastático tumores com IMS representam aproximadamente 5% dos tumores metastático do aparelho digestivo3. 

Mais recentemente, vimos a imunoterapia, agora com pembrolizumabe e nivolumabe, ser incorporada no tratamento do câncer de esôfago e estômago avançados. Nesse cenário, surgiu um novo biomarcador: PD-L1. Presente tanto em células tumorais, quanto em células do microambiente tumoral, o PD-L1, ao se ligar no PD1 presente no linfócito T CD8, causa downregulation do mesmo (imunossupressão). Ainda, em oncologia gastrointestinal, a análise do PD-L1 tanto nas células tumorais quanto no microambiente (CPS – combined positive score) se mostrou melhor preditor de resposta do que a análise da sua expressão apenas nas células tumorais como em outros tumores.  

No cenário de tratamento de primeira linha, os estudos CheckMate 649 e KEYNOTE 590 demonstraram benefício com a associação de nivolumabe e pembrolizumabe aos regimes de quimioterapia de primeira linha.  Importante salientar a diferença de clone do PD-L1 utilizado para avaliar o CPS (28-8 no estudo CM 649 e 22C3 no estudo KN 590), além da maioria dos pacientes no estudo KN 590 serem portadores de tumores de histologia escamosa4,5 

A ausência de avaliações prospectivas dos diferentes clones de PD-L1, a presença de heterogeneidade espacial (diferentes resultados a depender do sítio de biópsia) e temporal (mudança na expressão ao longo do tratamento), além das diferentes populações dos estudos, dificulta a comparação entre os mesmos. 

Finalmente, tivemos uma aprovação recente pelo FDA para uso de imunoterapia naqueles casos de doença metastática que tenha falhado aos regimes padrão de tratamento e que apresentassem TMB alto (tumor mutation burden, ≥ 10 mutações/Mb) identificado no teste do Foundation One. Tal aprovação se baseou nos resultados do estudo não comparativo de fase II KEYNOTE 158, que, ao avaliar 102 pacientes com TMB alto, demonstrou uma taxa de resposta de 29% com pembrolizumabe, sendo que em 50% desses casos, a resposta teve duração superior a 24 meses6. No Brasil, essa indicação não esta aprovada pela ANVISA e a necessidade do painel somático de alto custo, como o Foundation One, impediria o uso em grande parte dos casos.  

 

Referências: 

 

1. Dung T. Le, M.D., Jennifer N. Uram, Ph.D., Hao Wang, Ph.D., et al. N Engl J Med 2015; 372:2509-2520. 

 

2.Thierry André, M.D., Kai-Keen Shiu, F.R.C.P., Ph.D., Tae Won Kim, M.D., Ph.D., et al. N Engl J Med 2020; 383:2207-2218. 

 

3. Chao J, Fuchs CS, Shitara K, et al: Pembrolizumab in microsatellite instability-high advanced gastric/gastroesophageal junction cancer by line of therapy. 2020 Gastrointestinal Cancers Symposium. Abstract 430. Presented January 23, 2020. 

 

4. Moehler M, Shitara K, Garrido M, et al: Nivolumab plus chemotherapy vs chemo as first-line treatment for advanced gastric cancer/gastroesophageal junction cancer/esophageal adenocarcinoma: First results of the CheckMate 649 study. ESMO Virtual Congress 2020. Abstract LBA6_PR. Presented September 21, 2020. 

 

5. Kato K, Sun J, Shah MA, et al: Pembrolizumab plus chemotherapy vs chemotherapy as first-line therapy in patients with advanced esophageal cancer: The phase III KEYNOTE-590 study. ESMO Virtual Congress 2020. Abstract LBA8_PR. Presented September 21, 2020. 

 

6. Aurélien Marabelle, Marwan Fakih, Juanita Lopez Et al. Lancet Oncol 2020 Oct;21(10):1353-1365