Câncer: uma doença genética - Oncologia Brasil

Câncer: uma doença genética

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Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os cânceres figuram entre as principais causas de morbidade e mortalidade no mundo. Estudo científicos mostram que o câncer não estava entre as cinco principais causas de morte em 1900 e agora é a segunda maior causa de morte da América. A compreensão da biologia molecular do câncer é hoje fundamental para todos os profissionais envolvidos na análise laboratorial ou na condução clínica de pacientes com câncer.

O câncer é uma doença genética

Essa afirmação não deve ser confundida com a afirmação de que o câncer é uma doença hereditária, apenas deve ser entendida como todo câncer se desenvolve devido à alteração(ões) genética(s) e apenas pequena parte desses são hereditários. O câncer se forma quando o DNA de uma célula normal é danificado ou mutado. Essas mutações podem ocorrer em células germinativas, e dessa forma, podem ser transmitidas para a próxima geração (câncer hereditário); ou podem ocorrer em células somáticas e ficarem restritas apenas ao indivíduo (câncer esporádico). Mas, para saber melhor sobre o câncer, é fundamental relembrar alguns conceitos básicos de biologia molecular e genética.

Vamos relembrar…

Hoje sabemos que o DNA é a molécula que carrega a informação genética de todos os seres vivos. O DNA é uma estrutura linear, em dupla hélice, composta de uma sequência, não aleatória, de nucleotídeos (adenina, guanina, citosina e timina). Na verdade, a sequência exata desses nucleotídeos é a informação genética em código, e alterações nessa sequência são reconhecidas como mutações, que podem ou não ter consequências para o indivíduo. As sequências codificantes do DNA, ou seja, que possuem as informações genéticas que são transcritas em RNA para a produção de proteínas, são conhecidas como genes. São esses genes, ou as mutações presentes neles, que são exaustivamente estudados na oncologia como marcadores moleculares, ou seja, marcas moleculares que diferenciam uma célula normal de uma célula cancerígena.

Uma mutação pode ser resultante de erros durante algum processo biológico como a replicação do DNA ou de outros tipos de danos ao DNA. A fumaça do cigarro, por exemplo, contém produtos químicos que danificam o DNA. A radiação solar contém raios ultravioleta (ou UV) que também danificam essa sequência. Entretanto, existem diferentes tipos de mutações no DNA. Algumas mutações são apenas de um único nucleotídeo, chamadas mutações de ponto (do inglês point mutations), ou de pequenas sequências de nucleotídeos que incluem deleções, duplicações ou inserções de novos nucleotídeos.  Várias desses tipos de mutações são estudadas no gene EGFR, especialmente em câncer de pulmão de não pequenas células (CPNPC). As mutações de ponto L858R, L861Q e G719A/C/S e deleções no éxon 19 do gene estão relacionadas a boas taxas de resposta aos inibidores tirosina quinase (TKI). Por outro lado, a alteração de ponto T790M e inserção no éxon 20 condizem com resistência aos TKI de primeira e segunda geração.

Enquanto, outras mudanças envolvem trechos maiores de DNA e podem incluir rearranjos cromossômicos, deleções ou duplicações de longos trechos de DNA, como por exemplo a inversão que pode ocorrer no cromossomo 2 resultando na fusão do gene ALK com outros genes, que está associada à sensibilidade aos TKIs anti-ALK em CPNPC.

Em algumas situações as mutações não estão propriamente na sequência do DNA. A adição ou remoção de marcas químicas, chamadas modificações epigenéticas no DNA, pode controlar a expressão de um gene. Um exemplo desse tipo de alteração é a metilação (adição de um grupo metil –CH3) da região promotora (região específica onde se inicia a transcrição do gene) do gene MGMT. A ligação desses grupos metil faz com que essa região promotora não seja reconhecida por fatores de transcrição e, dessa forma, esse gene fica “silenciado”; não é transcrito. Essa modificação epigenética no gene de reparo MGMT, tem sido associada a um prognóstico favorável em pacientes adultos com glioblastoma (GBM) que recebem temozolomida e outros agentes alquilantes.

Como essas mutações resultam no câncer?

Existem cerca de 25.000 genes em cada célula humana, mas, na maioria dos casos, uma única mutação dentro de um gene não levará ao desenvolvimento de câncer. É somente quando ocorre acúmulo de mutações em certos genes-chave que o câncer se desenvolve. Esses genes-chave podem ser agrupados em três classes: genes promotores de crescimento (proto-oncogenes), genes inibidores do crescimento (supressores de tumor) e genes de reparo de DNA.

Os proto-oncogenes são genes que, em circunstâncias normais, dão o comando para as células se multiplicarem e se dividirem. Quando eles se tornam ativos, eles aceleram a taxa de crescimento de uma célula. Quando um proto-oncogene sofre uma mutação ele se torna um oncogene, e nesse caso, ele funciona como um “pedal do acelerador preso”: essa célula, e todas as células que crescem a partir dela, são permanentemente instruídas a se multiplicar. Dessa forma, a proliferação celular acontece de forma desordenada e contínua, o que contribui para a carcinogênese. Em contrapartida, os genes supressores de tumor regulam negativamente a multiplicação celular e, se forem mutados, podem fazer com que as células não entendam mais a instrução para parar de crescer e, por esse motivo, passam a se dividir de forma descontrolada, dando início a um câncer. Já os genes de reparo de DNA são responsáveis por corrigir imediatamente qualquer dano gerado ao DNA, sem efeitos nocivos. Mas, se uma mutação ocorre em um gene de reparo, uma célula tem menos capacidade de se corrigir. Assim, os erros se acumularão em outros genes ao longo do tempo e contribuirão para o desenvolvimento de um câncer. Exemplos clássicos de proto-oncogene, gene supressor tumoral e gene de reparo de DNA são o EGFR, o TP53 e o BRCA, respectivamente.

O avanço no conhecimento da genômica do câncer permitiu uma melhor compreensão da biologia da doença, suas particularidades e variabilidades. O conhecimento proveniente de ciências básicas – aliado ao conhecimento clínico e avanços de técnicas de biologia molecular – permitiu um grande avanço da medicina personalizada, com impacto positivo no diagnóstico, tratamento, manejo, prevenção, sobrevida e qualidade de vida dos pacientes com câncer.

Patrícia Gonçalves P. Couto
Mestrado e Doutorado em Medicina Molecular pela UFMGEspecialização em Aconselhamento Genético em Predisposição Hereditária ao Câncer – Hospital Albert Einstein
Especialista Progenética/ Laboratório Hermes Pardini

Maíra Cristina Menezes Freire
Mestrado e Doutorado em Genética pela UFV
Pós-doutorado em genética humana e médica pela UFMG
Especialização em Aconselhamento Genético em Predisposição Hereditária ao Câncer – Hospital Albert Einstein
Supervisora Progenética/ Laboratório Hermes Pardini